quarta-feira, 26 de julho de 2017

A ultima carta para minha mãe

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Essa história não tem um começo feliz.
Na verdade não tem começo, nem meio e muito menos um final feliz.
Você pode até não entender os meus motivos, ou até se ofender em algum momento.
E está tudo bem, porque eu sei que é uma história muito diferente da maioria.
Você não leu errado lá em cima, é isso mesmo, essa é  “A ultima carta para minha mãe”.
Sei que tudo na vida acontece por um motivo mas, porque eu? Só sei que o ponto final precisava ser colocado.


“Oi mãe...
Não sei bem por onde começar...
Talvez a melhor forma de começar a falar com você, seja dizendo que eu sinto muito...
Eu sinto muito pela vida que você levou;
Sinto muito por você ter tomado tantas decisões erradas;
Sinto muito por você não ter conseguido realizar seus sonhos;
Sinto muito por seu casamento ter fracassado;
Sinto muito por você ter tido dois filhos na hora errada;
Sinto muito por um desses filhos ser usuário de drogas e fazer da sua vida um inferno;
Eu realmente sinto muito mesmo... Por tudo.
Mas eu nunca tive culpa...
Eu nunca tive culpa de ‘absolutamente’ nada.
Hoje mãe, eu quero contar pra você, como é nossa convivência de mãe e filha através dos meus olhos.
Nossa relação nunca foi das melhores, sempre tivemos nossas diferenças.

A minha primeira lembrança de não gostar de algo que você fez, foi quando eu tinha uns 08 anos. Você e meu pai brigavam muito.
Se agrediam sempre... E dia sim, dia não a policia aparecia na porta da nossa casa pra ‘separar’ a briga do casal. Até que um dia você ~assim do nada~ chamou um caminhão e começou a colocar nossas coisas dentro e nos mudamos para uma casa longe do papai.
Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo.
Quando eu percebi você nos levou pra morar com um desconhecido.
Tinha um homem morando na nossa casa, ele pegava na sua bunda toda hora e te beijava toda hora, e nos obrigava (eu e meu irmão) a chamar ele de pai.
Eu ficava louca de ódio, gritava até ficar sem voz ‘VOCÊ NÃO É MEU PAI’ e batia a porta do banheiro chorando como se não houvesse amanhã.
A verdade que eu não aceitava que um dia eu estava assistindo sessão da tarde com meu pai, e no outro tinha um homem estranho andando de cueca dentro de casa.

Mais tudo bem, sobrevivemos a isso né?
Acredito que a pior fase das nossas vidas foi quando o Renan começou a usar drogas.
Era a policia batendo na nossa casa toda hora.
Traficante colocando arma na sua cara cobrando divida de droga do Renan.
O pouco que a gente tinha ele levava pra trocar por drogas...
Acabamos ficamos sem TV... Sem radio... Sem muitas coisas
Até que ele foi preso pela primeira vez.
Hoje eu posso dizer sinceramente que quando ele foi preso eu comemorei internamente, não pense mal de mim mãe...  Eu só não aguentava mais aquela situação.
Eu até arrumei um trabalho de garçonete numa pastelaria, ganhava R$20 por dia e era demais ter meu próprio dinheiro.

Você lembra que eu achei uma gatinha toda cinza na rua? Coloquei o nome dela de Mili, (por causa da chiquititas)
Você me deixou ficar com ela, fiquei responsável de cuidar dela, afinal eu estava trabalhando e eu ia conseguir comprar ração.
Nesse meio tempo, nós nos mudamos de casa.
A nova vizinhança tinha alguns gatinhos, e eles entravam no nosso quintal pra poder brincar com a mili, aquilo te deixava louca.
Até que um dia você se irritou e me deu um prazo de me livrar dela... Eu lembro como se fosse hoje, você gritando: ‘VOCÊ TEM ATÉ AS 6H PRA SUMIR COM ESSA GATA SUA VAGABUNDA’
Eu chorei tanto mãe...
Coloquei a minha Mili numa caixa de All Star e sai com ela na rua... Sentei numa praça ali no centro de Bauru soluçando.
Uma moça de uma loja que estava no outra lado da rua me viu chorando e veio falar comigo, ela me acalmou, me trouxe agua... E pediu pra eu parar de chorar. Ela também me deu um endereço (que pra minha sorte, ficava próximo dali).
Obrigada papai do céu por ter colocado aquele anjo pra falar comigo.
Ela me mandou para a casa da mãe dela, que adorava gatos e tinha vários.
Me ‘livrei’ da minha gatinha...  Fiz o que você pediu...
Porque você fez isso mãe?
Demorei pra voltar pra casa aquele dia, fiquei bastante tempo com a MILI.
Quando cheguei você me recebeu com uma surra...

Eu não poderia passar pela história da minha vida sem contar as surras, gritos, humilhações. Que eram tão constantes e presentes na minha vida.
Hoje eu olho pra trás e dou muita risada, mas a verdade é que isso é triste.
Como a vez que eu estava tomando banho e você gritou pra eu ir logo, mas acho que eu não ouvi e continuei tomando banho, você meteu o pé na porta me arrancou do banheiro pelos cabelos e bateu tanto...
Como eu poderia esquecer da vez em que eu deixei o arroz duro, lembra como você reagiu? Outra surra.
Eu aprendi a fazer arroz por medo, confesso.
Tudo era motivo pra me bater...
Mas eu sei que o problema era com você e não comigo...
Você estava triste consigo e precisava descontar em alguém... E eu estava ali, eu estava sempre ali...

Me lembro bem da vez em que eu e o Renan saímos pra comprar um presente de dia das mães pra você. Ele comprou uma jarra de suco e eu comprei um vazo amarelo. Você abriu o dele primeiro, fez uma cara horrível mas agradeceu, quando você abriu o meu, você ficou brava e me perguntou ‘Onde eu vou colocar isso?’ E jogou meu vaso na parede. Ele ficou em mil pedacinhos e eu corri pra limpar... Quer saber? Aquele vaso era horrível mesmo.
Aos 16 eu arrumei um namorado. Você nunca ligou muito desde que você não tivesse que ver ele em nenhum momento.
Uma vez ele chegou e nos estávamos jantando e eu o convidei pra jantar com a gente. Você surtou, gritou dizendo que não ia sustentar macho de ninguém. Eu não sabia onde enfiar a minha cara.
Ele foi embora super constrangido. E com razão.
Nem vou mencionar da parte em que você falou que eu era pior que puta, porque pelo menos a puta cobra pra dar e eu dava de graça... Foi pesado e engraçado, afinal eu ainda era virgem quando você falou isso.
Não fazia sentido.

Você finalmente arrumou um namorado novo...
Ele era um idiota e tinha uns 15 anos a menos que você.
Onde você conseguiu encontrar um cara drogado igual seu filho?
Como se não bastasse isso, ele também era violento e por varias vezes você apanhou feio. Sempre quando eu não estava em casa.
Em umas das vezes em que vocês brigaram, vocês destruíram a porta do meu quarto.
Me vi sem porta e sem privacidade.

Meu quarto ficava na frente da sala, ou seja quem estava no sofá conseguia me ver mudando de roupa. 
Uma vez sai do banheiro de toalha e fui pro quarto e seu namorado não parava de olhar, então pedi pra ele sentar do outro lado da sala pra eu poder me vestir em paz... Você parecia um cão raivoso, saio lá do seu quarto e tacava minha cabeça na parede pedindo pra que eu tivesse mais respeito com o ‘seu namorado’
Que absurdo foi esse?

Aquilo foi a gota d’agua mãe, eu não queria morar com você, eu não queria ter noticias suas, eu queria distancia, eu queria ter uma vida melhor. Eu queria tudo isso e eu estava muito decidida.

Me mudei pra São Paulo com 17 anos. E não me arrependo, foi a melhor decisão da minha vida.

Fazia 1 anos que eu já estava morando fora.
Apesar de tudo. Você era minha Mãe... E eu estava com saudade.
Decidi ir te visitar.
Você agora morava com o mesmo cara 15 anos mais novo, problemático, drogado de sempre.
Fazia menos de 12h que nós estávamos juntas, e você se irritou com alguma coisa e começou a brigar comigo.
Eu não era mais aquela adolescente que tinha medo de você.
Você estava errada então pedi pra você não levantar a voz, somos adultas mãe, vamos conversar.
Parece que isso te deixou pior e você partiu pra cima de mim.
Eu amadureci o suficiente pra entender que eu não devo deixar ninguém levantar a mão pra mim.
Eu te segurei e essa foi a primeira vez que você não conseguiu me bater.
Você começou a gritar e chamar seu namorado pedindo pra ele segurar pra que você pudesse me bater... Foi insano.

Prometi pra mim mesma que não falaria com você de novo.
Ficamos 7 anos sem nos ver e nos falar...
As pessoas me julgavam por isso. 
“Você deveria ligar pra sua mãe”
“Você deve ter feito alguma coisa pra deixar sua mãe brava”
“Você vai se arrepender quando ela morrer”
  A verdade é estas pessoas não te conheciam.

Eu vivi tantas histórias aqui em São Paulo, erros e acertos.
Sorrisos e algumas lagrimas. Tudo isso faz parte.
Conheci o melhor homem do mundo... E ele me pediu em casamento.
Achei que era hora de te procurar e te convidar para o meu casamento. Sua única filha... Casando...Toda mãe quer estar presente no casamento da sua filha certo? Estou certa mãe?
Você me disse que não ia poder vir... Eu fiquei chateada, mas tudo bem... Era só um casamento... Meu casamento.
Na semana seguinte eu te liguei e perguntei se não tinha mudado de ideia.
Você então me perguntou: ‘Tem lugar pra mim e pro meu marido na sua casa?’ e eu respondi que ‘Não’
Poxa mãe na minha casa não tinha, mas tinha um ótimo hotel aqui na rua.
Eu estava fazendo vários preparativos não conseguia acomodar vocês em minha casa.
Você gritou no telefone “Onde meu marido não é bem vindo eu também não sou” em seguida desligou o telefone na minha cara.
Você não veio... No dia mais importante da minha vida, você não estava aqui.
Você não deve ter ideia do tamanho das feridas que causou em mim ao longos dos anos...
Isso não é nem um terço das coisas que nós já passamos juntas, você sabe muito bem...
É bem mais fundo... É bem mais doloroso.

Mês passado (JUNHO/2017) você ligou chorando, disse que o drogado do seu marido estava te roubando, ele tinha quebrado o seu braço e você precisava de ajuda para se mudar de casa. Mais uma vez você precisava da minha ajuda.
Eu e meu marido entramos no carro e fomos pra Bauru, pra poder ‘te socorrer’.
Quando nós chegamos na sua casa, você já tinha se mudado... Mal olhou no meu rosto.
Não perguntou se eu estava bem e nem como foi o casamento.
Só sabia falar do Renan, seu filho drogado e escrúpulo que você gosta tanto de defender.
E não é porque ele é meu irmão que eu vou passar a mão na cabeça dele e chama-lo de coitadinho, vítima da sociedade.
Ele é um bandido e você sabe.

Já que você não precisava mais de mim, decidi voltar pra São Paulo no dia seguinte.
Quando passei na sua casa de manhã pra me despedir, você estava na frente da sua casa nova com o seu marido/agressor/drogado.
A sua cara de espanto quando me viu foi hilário (sério)
Chegou perto de mim e berrou ‘Ta fazendo o que ainda aqui em bauru, VAI EMBORA’
Eu só conseguia olhar pra você e rir e pensar o que eu estava fazendo aqui mesmo?

Você pode estar se perguntando, porque estou te dizendo tudo isso...
A verdade é que eu quero te libertar.
Hoje eu venho por meio desta carta, te liberar dessa função que você nunca quis.
E tudo bem admitir para si mesma uma coisa dessas.

Recentemente ouvi de uma pessoa próxima “você tem a obrigação de amar os seus pais independente das decisões que eles tomaram com relação a você”
E a minha resposta foi “Não, eu não tenho não”.
 Ninguém deve viver assim, sendo obrigado a gostar de alguém.
Isso não é viver...
E não pense que eu não te ame. Porque eu te amo sim mãe.
Mas a verdade é que não nascemos pra ficar juntas.
Espero que você consiga conquistar as coisas que almeja.
E que Deus te dê muito juízo.
Presta atenção nas suas decisões Dona Lucinda, a vida é muito curta pra você ficar cometendo o mesmo erro tantas vezes.

Peço que por favor, apague o meu numero de telefone do seu celular.
Eu não quero mais contato. Espero que entenda.

Fica com Deus,
Com amor, Dafny”

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